A Estória da Baratinha Decodificada

Recentemente o Brasil teve uma grande perda cultural com a partida do grande mestre João de Barro, o Braguinha, para o céu. Poucas pessoas sabem que aquele eclético compositor, dono de um acervo invejável de hits da MPB, também era o responsável pela adaptação, letras e músicas daqueles disquinhos coloridos que se voce tiver mais de trinta anos fatalmente ouviu vários deles numa velha vitrola "Sonata".
Com arranjos a cargo do maestro Radamés Gnatalli e Francisco Mignone, Braguinha produziu dezenas de disquinhos com as mais maravilhosas narrativas e melodias inesquecíveis porém, após eu ouvir mais de dez vezes a história da Baratinha, cheguei à conclusão que o que era para ser uma bela e triste estória infantil, era na verdade uma intriga pululada por fatores preconceituosos, cobiça e interesses financeiros. Percebam as mensagens subliminares negativas para a formação do caráter das crianças através dessa minha análise semiótica estrofe à estrofe deste velho disquinho colorido. Deixo aqui as conclusões. Pensem a respeito, o assunto é muito sério:
Resumo da Análise Semiótica da Estória da Dona Baratinha
(A análise semiótica da canção propicia uma descrição justamente pela decodificação do difuso, das relações entre fala e canto de um lado, e entre letra e melodia de outro, trazendo à tona as instâncias complexas que o verbal não carrega sozinho.)
"Era uma vez uma baratinha, varrendo a casa achou um vintém. Comprou uma fita, amarrou no cabelo e foi à janela cantar assim:
- Quem quer casar com a Senhora Baratinha que tem fita no cabelo e dinheiro na caixinha ? É carinhosa e quem com ela se casar, terá doces todo dia, no almoço e no jantar ...."
No trecho acima, início da narrativa, a Dona Baratinha apresenta-se como uma personagem completamente infeliz pois teve que achar um vintém para ser desejada por alguém (rimou). Notem que sua beleza, aparentemente, foi sendimentada pelo fato de comprar uma fita e amarrá-la no cabelo. A prática do suborno fica evidente com o fato dela oferecer doces no almoço e no jantar para o "felizardo". Em suma, a Dona Baratinha raciocinou: Achei uma bolada, comprei minha beleza e agora comprarei um marido.
" - ... Passem passem cavalheiros, passem todos sem tardar, o mais belo com certeza minha mão irá ganhar."
Percebam a afobação da Dona Baratinha em arrumar logo um otário: "Passem todos sem tardar !" . A horda de interesseiros era tão grande que ela tinha que avaliá-los às pressas. Com isso, Dona Baratinha utiliza-se de métodos fúteis para a escolha do seu amado: prioriza os padrões estéticos dos pretendentes. O mais belo poderia ser o menos interessante, o mais inconsistente, o mais nulo, mas ele seria sempre o mais belo, o bibelô, o objeto sexual.
"Naquele momento, com o passo lento e bem pachorrento passou um boi.....- Boizinho que vai passando, quer comigo se casar ?" - Vejam como a Dona Baratinha está se oferecendo tal qual uma biscate, se entregando ao primeiro que passa
"Óh tão linda senhorita quem rejeita lhe esposar ?" - Um interesseiro nato, nunca ouviu antes falar na Dona Baratinha pois se mostra completamente formal no trato com tal messalina, agora aparece lépido e faceiro querendo desposá-la. Com certeza estava de olho no dinheiro na caixinha.
" - Sou porém muito sensível e medo tudo me traz, diga primeiro Boizinho, como é que você faz? " Pronto! Esse papo de ser muito sensível, coisa e tal, revela que Dona Baratinha, baseada em arquétipos do noivo perfeito, tinha que encontrar algum defeito no pobre boi. Todo mundo sabe como faz um boi, ela também sabia. Percebam também a dupla conotação na pergunta: "...como é que você faz ?"A vulgívaga queria desgraçar com o infeliz do boi e assim o fez:
"-Muuuuuu, muuuuuuuuu ! (fez o boizinho)
-Deus me livre de ter um noivo, mugindo dessa maneira, terei sustos todo dia, terei medo a noite inteira ...
E assim lá se foi desiludido o pobre boi ...."
A marafaia conseguiu o que queria. Humilhação, destrato e perpetuação da velha mentalidade do "fator estético". Esse mesmo golpe falacioso, só pra não alongar muito eu antecipo, ela passou num burinho e num cabritinho. Todos seguiram pela estrada completamente tristes e humilhados, a beira do suicídio.
Vão sentindo o resultado, quem muito escolhe...
Bom, passou por lá o Senhor João Ratão ou, segundo a narrativa, era o garboso e pimposo Senhor Ratão. Foi o escolhido, lógico. A ervoeira, após a pergunta do "como é que voce faz?" disse: "- Isso sim que é voz bonita , não pode assustar ninguém, até que enfim eu encontrei o noivo que me convém!" Daí então coroa-se a falsidade e jogo de interesses. A fubana e o lacraio cantam em uníssono: " Na matriz do rancho velho dia sete casarão, a Senhora Baratinha e o Doutor João Ratão. A sua amada presença, será muito apreciada, pode trazer os amigos e também a criançada. Porque depois do casório vai haver festa animada, sendo servido aos convivas uma lauta feijoada."
A ostentação começa a tomar conta do casal. Pode vir quem quiser, o importante é que eles querem mostrar que: Nós temos, nós podemos, vocês que se danem. Curtam essa brecha que daremos para que vocês se divirtam.
" Ahhhh, maldita feijoada, que tentação. Transtornou toda a vida do Senhor João Ratão"
Maldita feijoada? Essa estória ganante e corrupciosa vai meter o pau na feijoada? Vai falar sobre gula? É isso?
"Eu vou contar pra voces o que aconteceu. Naquela manhã........."
Pombas Dona Narradora, todo mundo sabe o que aconteceu. O casório foi pro brejo pois o garboso e pimpão Senhor João Ratão, tomado pelo desejo pecaminoso da gula, caiu na panela do feijão. Interessante notar que a narradora toda vez que se refere aos aposentos do João Ratão ela diz: "O noivo em seu BELO APARTAMENTO", o que prova que a murixaba da Dona Baratinha utilizou de métodos inescrupulosos para se juntar ao rico e poderoso rato, já sabendo de ante-mão dos dotes financeiros de tal ser.
Não quero me estender mais. O Maestro Gnattali soube descrever com a triste melodia em escala cromátida menor o triste fim dessa história: a Dona Baratinha não se casou com o João Ratão, passou o maior carão na igreja sendo abandonada no altar. Virou uma barata velha, gorda e cheia de varizes que a molecada do bairro sacaneou para sempre enquanto ela ficava tristonha na janela cantando:
"- Quem quer casar com a Senhora Baratinha que tem fita no cabelo e dinheiro na caixinha ? É carinhosa e quem com ela se casar, terá doces todo dia, no almoço e no jantar ...."
É isso aí mulherada, quem desdenha nunca tem e quem muito escolhe também. Nem que encontre um vintém.
E eu, se um dia tiver filhos, juro que os pouparei de ouvir essas histórias macabras e perniciosas que um dia habitaram o meu imaginário infantil.
Just Relax, o mundo (ainda) não vai acabar!

Eu sempre preferi o frio ao calor. Acho o frio envolvente, excitante, romântico. Para ser sincero, acho o mesmo do calor mas somente naqueles parcos finais-de-semana de verão quando eu podia descer no melhor estilo farofa para a praia. Já o frio, gosto dele todos os dias e não somente nos feriados. Mas atenção, quando eu digo frio eu me refiro àquela época do ano onde a temperatura ronda a casa dos 10 graus e o máximo que temos que suportar é uma temperatura por volta dos 2 ou 3 graus quando damos uma escapada até Campos do Jordão ou qualquer outra região serrana do Brasil.
O frio europeu mata. Faz gangrenar e apodrecer todas as extremidades do seu corpo. Faz o saco ficar parecendo dois carocinhos de café e o pau encolhe pra dentro quase que se transformando num clitóris. Combinado com esse frio mortal, o inverno europeu também nos oferece dias mais curtos onde o sol dá o ar da graça quase que 9 da manhã e se põe vagabundamente no horizonte às 4 da tarde.
Ano passado, exatamente no dia 23 de dezembro, deu-se início uma nevasca sobre a Bélgica que nos incomodou e nos trouxe inúmeros transtornos até o mês de abril quando a temperatura começou a subir e os 8 graus negativos costumeiros começaram a dar espaço para agradáveis 4 graus.
Esse ano ficou claro que o mundo estava prestes a dar seus últimos suspiros. Quando o inverno europeu oferece dias agradáveis e ensolarados e o frio não consegue esfriar a terra abaixo de 10 graus positivos, ao invés de sair pelas ruas cantando e festejando, voce deveria se recolher em retiro espiritual e encomendar sua alma pois tribulações horríveis estão por vir.
Estavam por vir! Hoje de manhã acordo e pela janela de meu telhado vejo a chaminé do prédio congelada como um picolé. Salto da cama e vou olhar a paisagem pela janela da sala e eis que tombo sobre uma paisagem branca e gélida, temperada por uma neblina glacial.
Isso sim é motivo de sobra para sair congelado pelas ruas e festejar: o mundo, pelo menos desta vez, não vai acabar! Só não sabemos até quando. Os meteorologistas prevêem um verão tórrido por aqui neste ano de 2007.
Para se começar bem o ano:
Começar o ano novo é uma arte, principalmente se você é adepto ao ritual supersticioso de que algo pode mudar se voce engolir doze uvas durante as badaladas da meia-noite ou esfregar uma nota de dólar na buceta ou na bunda.
Eu já tinha tentado de tudo. Comer lentilhas na última refeição do ano, colocar dinheiro no sapato direito, pular de uma cadeira à meia-noite para começar o ano com o pé direito, etc, etc, etc. Tudo em vão, um ano era igual ao outro senão pior.
Mas, nada se compara aos anos de 98/99 e 99/2000 quando resolvi radicalizar na superstição e levei-a ao limiar que a separava da macumba. Foi uma tia minha que me disse que se eu seguisse alguns “procedimentos” durante a virada do ano eu iria ter um ano novo completo em todos os aspectos positivos. Na merda em que eu andava, não foi preciso muito papo para que eu me convencesse de que o ritual que ela me ensinara poderia mudar minha vida e que eu teria um ano de 99 incrível.
O ritual era simples: indumentária completamente branca, acender doze velas na praia, estourar a champanhe meia-noite, beber e oferecer pro santo, entrar no mar pulando as sete ondas e fazer a oferenda de doze rosas e um vidro de perfume à Yemanjá e fazer os pedidos. Segui os procedimentos à risca mesmo sob a saravaiada de gozações que tive de ouvir dos amigos que comigo estavam. Zombaria nenhuma me atingiria pois eu sabia que durante o ano eu poderia, ao passo que minha vida fosse ficando cada vez mais extraordinária, lembrá-los que foi graças à fé que depositei na minha mandinga de ano-novo. Seria o meu “cala-boca” aos incrédulos.
O ano foi uma bosta. Um dos piores da minha puta vida.
Algum tempo depois, repassei junto com minha tia todos os passos do ritual e ela chegou à conclusão que meu ano foi uma bosta porque eu regulei no tamanho do vidro de perfume “Seivas de Alfazema” que comprei pra entidade. Tinha que ser o vidrão de 500ml e não o vidrinho de 250ml. Meu ano inteiro foi um fracasso por conta de 250ml de um perfume de empregada doméstica que eu economizei na oferenda ...
O momento da grande virada se aproximava: o maldito ano de 99 chegaria ao fim e entraria o místico e promissor ano 2000. Desta vez eu cumpriria o ritual de oferendas para Yemanjá corretamente e começaria o milênio cheio de boas perspectivas (ok,ok, o milênio começou em 2001 mas ninguém pode negar o misticismo que rondava o ano de 2000). Nada de mesquinharias com a quantidade de perfume, as rosas seriam as mais belas e a champagne seria Möet. Nada poderia dar errado...mas deu.
Pra quem se lembra, a virada de 99/00 foi chuvosa, horrivelmente chuvosa. Os fogos de artifícios falhavam, todo mundo foi de guarda-chuva para a praia, aquela merda geral. Dias antes eu já preparava as oferendas: lindas rosas vermelhas, champagne Möet e 500ml de “Seivas de Alvazema” (eu não sei o porquê, mas a santa exige que seja esse parfun vagabundérrimo). A coisa já começou a desandar aí. Por conta do calor, as rosas murchavam em algumas poucas horas. Se a santa encrencou com 250ml de perfume eu não poderia nem imaginar o que me esperaria se eu jogasse aquelas rosas murchas no mar. Resovi congelá-las. Ficaram durinhas e perfeitas. Rumamos para a praia dez minutos antes da meia-noite em baixo de uma chuva brava, o primeiro milagre da noite já aconteceria se eu conseguisse acender as velas. Coloquei um guarda-sol na praia, cavei um buraco para evitar o vento e uma a uma as velas foram sendo acesas. Foi difícil, me queimei várias vezes, acendia uma apagavam três mas antes da meia-noite as doze velas estavam brilhando. Abri o perfume, preparei as rosas congeladas, retirei aquele ferrinho escroto que segura a rolha da garrafa no lugar e olhei no relógio: 10 ...9 ... 8... 7... 6...5... 4... PUM ! Nesse exato momento a rolha da champagne estourou e atingiu o meu olho. Tonto de dor apaguei no chão, sobre as velas acesas e virei toda a champagne e o maldito perfume na areia da praia. Quando me recuperei ainda deu pra ver um foguetório sem graça sob a chuva e jogar as rosas congeladas no mar, já sem nenhuma esperança na vida.
Este sim foi o pior ano de minha vida. Só não deu mais coisas erradas por falta de tempo.
Bom, superstições à parte, eu desejo a todos um pusta, incrível, soberbo, magnânimo, magnífico, magnético ano novo para todos vocês e espero poder ouvir de meus amigos boas histórias neste mais um ano que começa.