domingo, março 26, 2006

Dia-a-Dia no trabalho - Born to be peão

Eu nasci para ser peão. Tenho que admitir isso.
Apesar do constante assédio do Zé Bundin.... OOOps, do diretor amigão em angariar minha amizade eu simplesmente não me sinto à vontade no meio da alta casta.
Quando o Zé Bundi.... OOps novamente, o Diretor amigão me convida para um café eu sigo as normas da politesse , acompanho-o, converso em holandês até onde meus conhecimentos me permitem, concordo com tudo o que ele diz e fico discretamente olhando para o relógio para voltar o mais rápido possível para minha sala.
Isso não é o que ocorre quando encontro com o Morat. Deixe-me apresentá-lo: Morat é o nosso "faz-tudo" na empresa. Faxina o castelo, repara a máquina de café que vive em pane, alimenta as impressoras e os ploters com cartuchos de tinta e papéis, troca lâmpadas e cuida do jardim.
Turco muçulmano, há dois meses esteve em Meca cumprindo com o ritual de peregrinação obrigatório que todos os islamitas devem realizar pelo menos uma vez na vida. Eu, acompanhando os noticários sobre os acidentes mortais dos peregrinos durante o ritual, ligava para ele um vez por semana no celular para saber se ele ainda estava vivo. Graças a Alah ele voltou vivo. Ele e a mãe.
Todas as manhãs quando chego ao trabalho a primeira coisa que faço é partilhar um café e dois dedos de prosa com o Morat. Mesmo se tenho que ir diretamente a um cliente eu faço o desvio para tomar o café com ele e só depois vou ao cliente. Virou um hábito sagrado.
Falamos de futebol, da dupla enrabada brasileira em cima do selecionado turco na última copa, de religião, de islamitas radicais, das dificuldades de sermos estrangeiros em um país europeu, do alto índice reprodutivo dos turcos (que, junto com os chineses dominarão o mundo pela quantidade dentro de 50 anos).
Morat estudou economia mas abandono-a no último ano para imigrar para a Bélgica. Seu irmão médico não conseguia arrumar trabalho na Turquia e veio para cá antes para ser rala-bosta mas viver com um pouco de dignidade financeira. Ele decidiu não esperar pelo diploma. Pegou a viola, botou na sacola, e, junto com sua esposa, mãe e tres filhos, veio para cá para trabalhar. Construiu sua casa repleta de quartos em Ixelles (lugarzinho maneiro em Bruxelas) e vai pagá-la em 25 anos.
Sábado que vem eu mudo de apartamento. Morat estará aqui com sua Van de perueiro ilegal para me ajudar. Já marcamos um Kebab legítimo na casa dele assim que o sol permitir e eu irei com o maior prazer.
O mundo tentou me transformar em alguém esnobe e elitista mas isso é chato demais. Nasci para ser peão, amém.