quinta-feira, abril 17, 2008

Sumpaulo – Paris com Kléverson, o Mano

Eu já escrevi aqui, num desses posts passados, o quanto eu sou azarado com meus vizinhos de assento em transportes coletivos em geral. As gostosas desfilam seus grelinhos diante do meu nariz e sentam-se sempre longe de mim. Já os chatos, os sem-banho, os obesos, as faladeiras ou crianças pentelhas, esses fatalmente sempre se sentarão ao meu lado. No caso do avião, se eu tiver a infelicidade de sentar na poltrona do meio, certamente serei entalado por dois dos tipos acima descritos sendo um deles o obeso(a).
Pois na minha volta ao lar tive a agoniante companhia de um mano querendo imigrar. Era a primeira vez que eu via um mano num vôo internacional. Supostas garotas de programa eu já vi às pencas (nunca ao meu lado, infelizmente e óbvio) mas um mano de verdade era a primeira vez.
Kléverson estava em êxtase profundo e não conseguia conter a euforia: tirava foto de tudo, mesmo antes do avião decolar. Estava na fileira do meio, como eu (óbvio) e ao meu lado (óbio, óbvio, maldição, óbvio). Graças à alguma força muito benéfica do universo ele não estava diretamente ao meu lado. Havia um japonês dorminhoco entre nós.
Indagando como tudo é belo e lindo no universo, Kléverson começou a querer saber todo o funcionamento do avião e começou alugar o mané aqui: “Pra que serve esse botão?”, “Como reclina essa cadeira?”, “Onde é o banheiro?” *

Nota: o Kléverson não pedia “com licença” e nem “por favor” quando se dirigia a estranhos. Nós todos ao seu redor éramos simplesmente personagens oníricos do mais belo sonho que ele estava vivendo. Ele não nos via como seres humanos mas sim como seres spectrais cheios de luzes, elos azuis, magia e duendes de um mundo encantado.

Kléverson me estressou pois não me dava um minuto de sossego. Me perguntou como fazia para aumentar o volume de sua “televisã”o. Foi minha última intervenção atenciosa, disse que a tal da “televisão” (o pequeno monitor que temos em nossa frente para nos entreter durante o trajeto) não estava ainda em funcionamento e que a aeromoça iria passar mais tarde para distribuir fones de ouvidos para todos nós e assim poderíamos, cada um, ouvir sua própria “televisão” no volume que bem quiséssemos.
Um japa sonolento sentou entre nós, agradeci à Zeus forever. Kléverson agora tinha alguem imediatamente ao seu lado para infernizar. E infernizou. Encheu o saco minúsculo do pobre japa até que ele resolveu se drogar e dormir a viagem toda.
Kléverson ainda perguntou pro japa quando que ele poderia retirar o cinto de segurança ao que o japa respondeu: “Depois que apagar aquela luz ali”. Como a luz não apagava e o avião nem ainda tinha decolado, Kléverson chama um aeromoço para pedir que ele pegue um pacote de bolacha na sua bagagem de mão. Eu queria morrer aos pouquinhos ...
Eu o olhava com aquele desprezo elitista nojento e ele me enchia de perguntas: “Vai pra Paris?”, “Tem passaporte europeu?”, “Tem dupla cidadania?”, “Fala outra língua?”. Saquei na hora que o mano tava indo pra ficar e nem conseguia ser discreto.
Na hora da janta, as aeromoças começaram servindo as filas da frente (estávamos no fundo) e Kléverson começa a acenar desesperadamente para elas. Uma delas interrompe o serviço e vem ao fundo em sua direção perguntando qual era o problema. Kléverson exige seu jantar. Para ele nao existia uma sequência a ser seguida, ele deveria ser servido no mesmo momento que os primeiros da fila. O vôo todo foi assim: se serviam sobremesa no início das filas, Kléverson começava a acenar desesperado para que o servissem também. Levou até esporro do aeromoço: “Senhor, calma. Todos nós teremos nossa vez nesse vôo. Tente ser educado”. Foi assim com a sobremesa e com o cafezinho digestivo.
Aí é que tá, Kléverson não era malvado, ele só não tinha nenhuma noção de educação e civilismo. Porém, cada vez que sobrava algo em sua bandeja ele não exitava em nos acordar para nos oferecer. Fosse um pedaço de queijo ou um chocolate, ele gentilmente nos oferecia o que ele não iria comer.
Vi que o Kléverson era um poço de ignorância mas um ser humano bonzinho. Fiquei tocado.
O avião aterrisou, taxiou e estacionou, Kléverson se levantou durante o processo e foi correndo pra saída de desembarque. Havia uma fila que ele nem respeitou, foi passando um por um até ser o primeiro a desembarcar.
Quando eu entrei no túnel de desembarque, cruzei por um Kléverson desolado que foi colocado de lado pela polícia francesa. Todos nós desembarcaríamos mas o Kléverson nem chegou a passar pelo “pré” pente-fino da polícia de imigração.
Pensei em ajudá-lo como intérprete mas meu egoísmo me impediu: se eu parasse para ajudá-lo eu perderia minha conexão.
Isso me arrasou. Não parava de pensar nele, em toda sua excitação durante a decolagem (gritava: AAAAhhhhhhhhhhhhhhhhh minha Nossa Senhooooooraaaaa...) e na maneira simplista como ele se comportava no vôo. Eu só sabia que de Paris ele iria para Madrid, paraíso dos manos (wwwwoouuuuu) e das minas (ahhhhhhhhhh))
Após passar pela imigração, fui para a esteira de saída de bagagens recuperar minhas malas, o que levou um certo tempo, depois saí pelo saguão de desembarque para pegar o TGV para a Bélgica. Ainda incomodado com a história do Kléverson parei atrás do vidro do salão de desembarque e olhei para o salão de saída de bagagens pela última vez na esperança de vê-lo ali, liberado pela polícia e tirando fotos compulsivamente do aeroporto de Paris. E qual não foi minha surpresa ao ver o Kléverson saltitando pelo salão das bagagens, recém liberado pela polícia? Quando o vi, fiquei na dúvida se realmente seria ele mas minhas dúvidas rapidamente se dissiparam quando o vi subindo na esteira e entrando pelo vão de saída das bagagens para ir buscar a sua diretamente no container. Aquele é o Kléverson: um brasileiro que, além de não desistir nunca, enche o saco pra caralho.
Nuncanaistóriadeçepaiz ...

1 Comments:

At 7:50 PM, Anonymous Anônimo said...

Caro Joe Bass; vc merece uma companhia destas !

Abraço

 

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